sábado, 22 de março de 2008

Euromayday!!

A intervenção artística nas ruas com fins políticos e sociais é também uma componente dos projectos colaborativos artivistas. A manutenção de um espaço virtual na Internet para divulgar informação é, tal como no hacktivismo, uma prática corrente. O colectivo italiano Chainworkers1, de Milão, actua como uma organização laboral que apesar de não ter quaisquer intenções estéticas directas, aspira "desenvolver uma linguagem icónica que possa alcançar em simultâneo os jovens que desempenham tarefas de serviços em cadeias de lojas, trabalhadores temporários e intelectuais free-lancers", refere Brian Holmes (idem). Entre o seu leque de acções contam-se a realização de manifestações e a afixação de faixas com mensagens de protesto em centros comerciais, o que é considerado ilegal uma vez que o direito de reunião pública dentro destes espaços é bastante constragido (ibidem). O site deste colectivo funciona como um recurso de informação jurídica e um meio de criar uma consciência colectiva. O Chainworkers foi ainda responsável pela reinvenção da tradicional manifestação do Primeiro de Maio, adaptando o conceito de manifestação às condições laborais do século XXI em que as economias ocidentais assentam sobretudo no trabalho precário e flexível. O sucesso do EuroMayday2 acabou por superar as iniciativas lideradas por sindicatos: a primeira edição, em 2001, reuniu cinco mil participantes em Milão, ao passo que a terceira, em 2003, conseguiu congregar 50 mil pessoas na mesma cidade italiana. Posteriormente, a iniciativa alargou-se a Barcelona tendo-se depois difundido para o resto da Europa, tendo a edição de 2005 abarcado 19 cidades do continente. Brian Holmes descreve um pouco o ambiente que se vai viendo ao longo das ruas durante estes eventos:

Dançarinos com écharpes de plumas rosa que entram numa loja Zara para sabotear o comércio da moda; trabalhadores africanos que envergam máscaras brancas que têm escrito "invísivel"; um boneco gigante representando os diferentes tipos de empregos temporários ("escravos" dos call-centers; entregadores de pizzas; operários da construção civil que recebem ao dia), Uma enorme faixa verde envolve a parte lateral de um camião que transporta uma aparelhagem sonora por entre a multidão: "A metrópole é uma besta: cultiva a micropolítica da resistência". Um dos cartazes do evento exibe um contorcionista de um circo antiquado - uma alegoria do trabalhador flexível na sociedade do espectáculo" (idem).

Para além de desenvolver uma "linguagem estética sob a forma de um território de expressão, o EuroMayDay reinvidica um conjunto de garantias mínimas de modo a tornar o trabalho flexível numa actividade digna e viável: "um ambiente urbano não-poluído; habitação e cuidados de saúde generalizados; educação pública de qualidade; acesso às ferramentas de produção de informação - mas também ao tempo e aos espaços necessários para a produção social e afectiva" (idem). Os trabalhadores precários ou atípicos exigem assim um novo regime de segurança social que os protega sem renunciar à flexibilidade, a "flexigurança", como é designada por Marcello Tari e IIaria Vanni3. Do mesmo modo que outros elementos da geração pós-fordista a que pertencem, não procuram obter uma posição permanente e para toda a vida (idem).

Em Fevereiro de 2004, os Chainworkers introduziram uma nova performance, São Precário4, o santo patrono dos precários em substituição do papel tradicional de líder e porta-voz, uma figura com uma história própria que tem surgido de uma forma nomádica em diversas cidades da Itália. Matteo Pasquinelli considera que se trata de uma "estrela pop open-source (tal como o seu percussor Luther Blissett) que funde personagens arquétipas do imaginário colectivo italiano (os santos) com as mais recentes personagens sociais (os trabalhadores temporários)"5. Na medida em que se "apropria da tradição católica italiana de transportar estátuas de santos em procissões nos espaços públicos", este novo héroi é visto por do mesmo ângulo que já abordámos anteriormente: funciona simultaneamente como "um détournement, uma Zona Temporária Autónoma, um carnaval" (Tari e Vanni, 2005). O santo, que também faz milagres, "aparece em espaços públicos durante a realização de comícios, marchas, intervenções, manifestações, festivais de cinema, feiras de moda e, é claro, procissões". A personagem fez as suas primeiras aparições a 29 de Fevereiro - data fixada para o dia desta nova "devoção" -, tendo desde então se multiplicado e materializado em diferentes disfarçes - pois "não privilegia uma classe de precários em relação a outra", tendo também já surgido sob a forma de uma figura feminina (idem). O culto gerou um grande número de seguidores o que levou à criação inclui uma série de acessórios e rituais associados à santidade, como várias e diferentes estátuas que são transportadas em procissões, atributos iconográficos, hagiografia - narrativa biográfica -, uma oração, campo de especialização e até mesmo o seu próprio santuário, numa praia de Lido di Veneza (ibidem).

A capacidade de São Precario se transfomar a qualquer momento num novo imaginário ficou bem patente na sua mutação em Serpica Naro6, um estilista anglo-nipónico "virtual" com um site7 própio de aspecto profissional semelhante aos de outros designers de moda, que conseguiu ser aceite pelos organizadores da Semana da Moda de Milão, sem que estes conhecessem que se tratava de uma farsa. Mesmo antes de desfilar, a figura despertou um grande interesse junto dos media comerciais generalistas e especializados, que eram incentivados por comunicados de imprensa supostamente oriundos de um gabinete de comunicação em Tóquio. Para gerar mais controvérsia, os Chainworkers puseram a circular a informação de que Serpica tinha explorado a comunidade gay japonesa ao copiar e comercializar o seu visual depois de ter proposto uma colaboração com eles. O desfile, realizado a 29 de Fevereiro de 2005, contou com oito modelos concebidos por Serpica abordando o tema da flexibilidade e das condições de trabalho precárias., seguido por uma passagem de modelos criados por jovens estilistas que se recusam a comprometer com o sistema da moda. No final, foi anunciado que Serpica Naro não existia, tendo a performance sido anunciada à comunicação social que divulgou amplamente a história. Matteo Pasquinelli considera que, para além de "ter sido útil na condenação das condições dos trabalhadores precários dentro da indústria italiana da moda", a personagem serviu para "criar uma metamarca - uma marca que engloba outras, como um franchising - aberta que qualquer estilista de 'moda radical' pode empregar". Mais do que uma mera partida, "Serpica Naro é uma versão generosa da Marca Registada" em que "todos podem ser estilistas"; "qualquer um que se identifique com Serpica pode fazer parte dele", pode-se ler no comunicado final elaborado pelos Chainworkers.

Yomango9 foi um dos grupos que elaborou modelos para o desfile de Serpica Naro. Trata-se de um projecto da responsabilidade de Las Agencias10, um colectivo de Barcelona que desenvolve vários projectos tácticos recorrendo a tecnologias digitais para produzir e distribuir fisicamente ou online cartazes, folhetos, autocolantes e vídeos. O nome desta metamarca associa a cadeia espanhola de lojas de roupa Mango com um termo do calão castelhano que pode ser traduzido para "Eu roubo (gamo)". O projecto disponibiliza informação e recursos para promover o furto de roupas e outros produtos comercializados por transnacionais como a Mango, organizando ainda acções colectivas de "gamanço" e jantares "Yomango" para o consumo dos bens alimentares furtados.

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