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domingo, 27 de abril de 2008

A revisão do Código de Trabalho, a precariedade e o precariado

“Contratos a prazo vão sair mais caros às empresas”, “Trabalho precário sai mais caro a empresas” ou “Patrões vão pagar caro recibos verdes”. São capas da manhã de 4ª feira passada, 23/04, o dia seguinte ao início da concertação social para revisão do Código de Trabalho. O Governo garantiu na imprensa o essencial da sua propaganda, de uma forma segura ao ponto dos títulos dos diferentes jornais serem quase indistinguíveis. Uma vitória de Sócrates, Vieira da Silva e companhia, pode pensar-se. Mas, enquanto olhamos com olhos de ver paras as propostas do Governo, já sabemos uma coisa: há um outro lado da moeda da precariedade – o precariado está aí e o Governo já tem que lhe responder.

Algumas propostas do Governo, entre a propaganda e a realidade:


Os patrões passam a pagar 5% da Segurança Social dos trabalhadores independentes. Ou seja, dos trabalhadores a recibos verdes. Responsabilizar em parte os patrões, diz o Governo. A folga dos patrões e, sobretudo, a irresponsabilidade do Estado continua: os trabalhadores a recibos verdes pagam 95% da contribuição para a Segurança Social, mas não têm direito, por exemplo, a subsídio de desemprego!


Alargamento da licença parental. Supostamente, passa a ser possível articular entre pai e mãe um ano para olhar pelos filhos. Mas para “conciliar a vida profissional e pessoal” é preciso ter um/a companheir@ e, sobretudo, ter um bom ordenado, porque os últimos meses terão que ser passados apenas com 25% do vencimento.


Contratos a prazo passam a ter limite de 3 anos. O limite era de 6 anos, é verdade. Mas não vale a pena tentar enganar: este mesmo Vieira da Silva, em 2002, na sua passagem pelo Governo de Guterres, reduziu aquele limite para 1 ano. Não há nada de corajoso neste novo limite. 3 anos a prazo é bom? Só se for no Governo…

Taxa Social Única (TSU) para empresas dependente dos vínculos laborais. Os patrões passam a pagar menos 1% de TSU, mas pagarão 3% mais se tiverem “uma percentagem significativa” de trabalhadores com contratos a termo.

Facilitação dos despedimentos, “adaptabilidade”, num país em que, nas palavras do próprio Veira da Silva “se hoje fosse difícil despedir em Portugal, não haveria o nível de desemprego que existe”.



Ontem, num encontro com militantes do PS em Vila Franca de Xira, Sócrates demonstrou pressentir que ainda tem muita gente para convencer. Garantiu que “nenhum Governo antes de nós atacou os contratos a prazo”, afirmando-se “preocupado com os recibos verdes”. Mas, entusiasmado, depois de atacar violentamente quem não concorda com as propostas do Governo, lá deixou soltar que “as convenções colectivas de trabalho são um atraso de vida! Um atraso de vida!”.

A precariedade é a proposta do Governo. Para lá dos rebuçados e da propaganda, é o que sobra. Bagão Félix, autor do Código anterior, até se permite dizer que “em alguns aspectos, se está a ir longe de mais”. Os patrões nem piam, à espera que a coisa passe para galgar mais qualquer coisa. Os “comentandores” insistem sobre a necessidade de flexibilizar as leis laborais, mas lá têm uma palavra de apreço para a triste sina dos recibos verdes e similares. É este o “consenso alargado” que Vieira da Silva diz esperar – o consenso dos privilegiados, que urram inevitabilidades e pedem mais um bocadinho das nossas vidas.

Maio está aí. E o precariado também. Precisamos de acumular gente e forças para dar a volta à precariedade. Com imaginação e com a alegria dos inquietos, o precariado contra-ataca a 1 de Maio. MayDay!! MayDay!!

Tiago Gillot

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A precariedade toca a todos

“A precariedade é a condição social do novo século”. Diz o panfleto que apela à participação no MayDay Lisboa 2008 e é verdade. No trabalho e na vida toda, a precariedade não escolhe fronteiras. E também não é apenas, cada vez menos, um quebra-cabeças de uma nova geração de trabalhadores ou simplesmente “aquele problema da malta dos recibos verdes e contratados a prazo”. A vida prova-nos isto todos os dias. Vale a pena olhar para exemplos recentes.

Os trabalhadores da Yazaki Saltano e da Delphi estão ameaçados de despedimento colectivo, apesar de trabalharem há dezenas de anos, com contratos estáveis, para aquelas empresas – empresas que, diga-se, beneficiaram de todas as vantagens e incentivos e agora “deslocalizam” sem passar cavaco, para intensificarem a exploração mais a leste. Despedimentos colectivos passam também a ser novidade no Estado, com o novo Regime de Contrato de Trabalho na Função Pública proposto pelo Governo. Numa semana que já não estava famosa, tivemos que ouvir Augusto Morais, dirigente da Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas, “ameaçar” não “criar mais postos de trabalho” a partir de Junho, se o Governo não reduzir a carga fiscal e implementar a flexigurança. É também importante sublinhar solidariedade com Pedro Jorge, electricista e dirigente sindical que, por ter denunciado, no programa “Prós e Contras”, as condições do seu trabalho na empresa Cerâmica Torrense, enfrenta um processo disciplinar.

O que une estas notícias é o contexto social e político de chantagem generalizada – um “clima” que não escolhe quem ameaça.

No dia 1 de Maio colocamos a imaginação ao serviço da revolta contra a chantagem da precariedade. Continuamos o nosso percurso de visibilidade e mobilização, conscientes de que apenas estamos a começar. Fazemo-lo, também, com todos os trabalhadores, porque a exploração e a precariedade tocam a todos. As ruas de Lisboa contarão certamente com muitos milhares que não querem viver assim. Entre o Largo Camões e a Alameda, festejaremos o 1º de Maio! Contamos contigo?
Tiago Gillot

terça-feira, 25 de março de 2008

Brevemente....Precári@s nas Caldas

A imagem “http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e3/Zepovinho.jpg” contém erros e não pode ser exibida.


Desde a organização do MAYDAY do ano passado, os grupos Precários Inflexíveis e FERVE não pararam de agir, reunir, dar entrevistas, recolher testemunhos e estarem atentos às irregularidades laborais. A questão da precariedade deve estar presente todos os dias para podermos saber o que é, o que se passa e como é que devemos exigir aos nossos dirigentes que se debrucem seriamente sobre este problema cada vez mais premente.

Devido à abrangência da precariedade, isto é, pelo facto da condição precária atingir vários sectores laborais, fazendo com que não tenha havido uma verdadeira solidariedade, um verdadeiro corpo de precários organizados, há que contemplar o facto que estamos todos ameaçados a maior ou menor prazo! Esta ameaça não é pontual, porque atinge cada vez mais trabalhadores! Esta ameaça não é inócua e não diz respeito apenas a uns quantos! Temos de deixar de pensar em termos particulares. Temos de pensar numa dimensão maior, porque isto vai envolver as gerações futuras!

Devemos exigir direitos que sejam justos! Devemos exigir que sejam contempladas, analisadas e resolvidas todas as questões que envolvem a Segurança Social, a Saúde, os Subsídios de férias, de Desemprego, os assuntos relativos aos compromissos laborais, sociais e fiscais das entidades patronais para com o Trabalhador e o Estado.

Devemos exigir um sistema de descontos na Segurança Social mais equitativo que contemple a situação laboral do trabalhador precário, isto enquanto trabalhador independente/ a recibo verde, e do agregado familiar, assim como a participação das várias entidades patronais que contratam a recibo verde.

Devemos exigir um aumento do limite máximo de rendimentos sem retenção na fonte, nem IRS. Pois, se fizerem contas, o limite para não estar sujeito ao IRS e não estar sujeito à retenção na fonte é de 10 000 euros por ano, contando que o ano tem 12 meses...faz 833,333333333 por mês, tirando os descontos mensais em regime obrigatório, à Segurança Social, fica 681,75€. É preciso não esquecer que há meses em que o trabalhador independente, aquele que trabalha exclusivamente a recibos verdes não tem trabalho. É preciso não esquecer a grande irregularidade de rendimentos de mês para mês, de ano para ano. No entanto, durante esse tempo, tem que continuar a descontar para a Segurança Social (190,97€ no R.A. ou 151,58 € no R.O), tem que poder alimentar-se na mesma, tem todas as contas para pagar, tem todas as despesas inerentes ao bom desempenho do seu trabalho precário.

Pensem em todas as subtracções necessárias a este montante máximo e limite: a quotização mensal para a Segurança Social, a renda, o gás, a água, a electricidade, os transportes e a comida… Mais! Em certos casos, há também que contar as despesas do infantário, do ATL, as despesas necessárias à educação, à saúde. Quanto fica para comer todos os dias? Depois há as despesas quase necessárias hoje em dia, como telefone, internet…Mais o facto de que os precários têm frequentemente que investir em material, carro, deslocações e outras despesas inerentes às funções que desempenham. Todas estas despesas estão a seu cargo, não são descontáveis, pois enquanto trabalhadores independentes no patamar inferior a 10 000 euros anuais, não estão contemplas na declaração de IRS. Alguém pode viver sozinho com alguma contenção com este montante, mas no panorama das mudanças sociais da estrutura familiar actuais, pode viver sozinho com filhos? Pode? Devemos exigir segurança na própria construção de uma vida! É importante a inclusão social dos precários! Porquê? Porque ao agravar esta situação estamos a fazer com que os nossos direitos à estabilidade e à dignidade sejam cada vez mais menosprezados, estamos a deixar que fragilizem todos os trabalhadores e com que os nossos filhos sejam futuros precários...

Devemos exigir direito ao desemprego, direito a subsídios de Natal, de Férias, direito a baixa médica.

Devemos exigir direitos para poder alugar uma casa, pedir um empréstimo, abrir uma conta no banco...

Mas voltemos atrás...Será que sabem o que é um trabalhador precário? Não é alguém que não tem formação. Não é alguém que não seja competente. Não é alguém que não quer trabalho e que não queira trabalhar...pois... és TU, sou EU...são os nossos filhos!

Há que saber que o precário trabalha sempre! Sim! Todos os dias da semana, independentemente de ser feriado, ou fim de semana...Trabalha, trabalha, trabalha mesmo quando não tem trabalho, trabalha! Há que saber que o trabalhador precário não pode ficar doente, não mete baixa, porque não há baixa que lhe valha. Sabem porquê? Porque o precário vive o dia a pensar nas contas a pagar todos os meses, naquilo que vai comer no dia seguinte, ou naquilo que vai poder dar de comer à sua família no dia seguinte... Então quando não tem trabalho, isto é, umas horas aqui, outras acolá, procura ter mais horas aqui e acolá, faz projectos, faz contactos, lima e transcreve currículos, envia cartas e correios electrónicos... O Precário trabalha sempre! Mesmo! O precário não tem férias, pois não tem direito a férias, posto que, se não “trabuca não manduca”, posto que nunca sabe o que vai ser o dia, a semana, o mês seguinte. O precário não sabe de feriados, não faz ferias, não tira uns dias... Não descansa! O precário não tem tempo. Não está contemplado pelas sábias e reveladoras estatísticas do IEFP. O precário é aquilo de que todos os governos sonham! Sabem porquê? Porque não entra nas estatísticas do desemprego, logo não conta. Porque não é um encargo maior para as empresas em que desempenha funções, logo não custa nada, posto que é ele quem paga tudo. Porque a preocupação do dia de amanhã é tão insustentavelmente pesada que o precário não tem tempo para falar com os outros precários, para se organizarem, para fazerem corpo, para exigirem direitos devidos e contemplados por lei, logo não é uma ameaça para o “bom” funcionamento do Estado.


Ana da Palma


sábado, 22 de março de 2008

Euromayday!!

A intervenção artística nas ruas com fins políticos e sociais é também uma componente dos projectos colaborativos artivistas. A manutenção de um espaço virtual na Internet para divulgar informação é, tal como no hacktivismo, uma prática corrente. O colectivo italiano Chainworkers1, de Milão, actua como uma organização laboral que apesar de não ter quaisquer intenções estéticas directas, aspira "desenvolver uma linguagem icónica que possa alcançar em simultâneo os jovens que desempenham tarefas de serviços em cadeias de lojas, trabalhadores temporários e intelectuais free-lancers", refere Brian Holmes (idem). Entre o seu leque de acções contam-se a realização de manifestações e a afixação de faixas com mensagens de protesto em centros comerciais, o que é considerado ilegal uma vez que o direito de reunião pública dentro destes espaços é bastante constragido (ibidem). O site deste colectivo funciona como um recurso de informação jurídica e um meio de criar uma consciência colectiva. O Chainworkers foi ainda responsável pela reinvenção da tradicional manifestação do Primeiro de Maio, adaptando o conceito de manifestação às condições laborais do século XXI em que as economias ocidentais assentam sobretudo no trabalho precário e flexível. O sucesso do EuroMayday2 acabou por superar as iniciativas lideradas por sindicatos: a primeira edição, em 2001, reuniu cinco mil participantes em Milão, ao passo que a terceira, em 2003, conseguiu congregar 50 mil pessoas na mesma cidade italiana. Posteriormente, a iniciativa alargou-se a Barcelona tendo-se depois difundido para o resto da Europa, tendo a edição de 2005 abarcado 19 cidades do continente. Brian Holmes descreve um pouco o ambiente que se vai viendo ao longo das ruas durante estes eventos:

Dançarinos com écharpes de plumas rosa que entram numa loja Zara para sabotear o comércio da moda; trabalhadores africanos que envergam máscaras brancas que têm escrito "invísivel"; um boneco gigante representando os diferentes tipos de empregos temporários ("escravos" dos call-centers; entregadores de pizzas; operários da construção civil que recebem ao dia), Uma enorme faixa verde envolve a parte lateral de um camião que transporta uma aparelhagem sonora por entre a multidão: "A metrópole é uma besta: cultiva a micropolítica da resistência". Um dos cartazes do evento exibe um contorcionista de um circo antiquado - uma alegoria do trabalhador flexível na sociedade do espectáculo" (idem).

Para além de desenvolver uma "linguagem estética sob a forma de um território de expressão, o EuroMayDay reinvidica um conjunto de garantias mínimas de modo a tornar o trabalho flexível numa actividade digna e viável: "um ambiente urbano não-poluído; habitação e cuidados de saúde generalizados; educação pública de qualidade; acesso às ferramentas de produção de informação - mas também ao tempo e aos espaços necessários para a produção social e afectiva" (idem). Os trabalhadores precários ou atípicos exigem assim um novo regime de segurança social que os protega sem renunciar à flexibilidade, a "flexigurança", como é designada por Marcello Tari e IIaria Vanni3. Do mesmo modo que outros elementos da geração pós-fordista a que pertencem, não procuram obter uma posição permanente e para toda a vida (idem).

Em Fevereiro de 2004, os Chainworkers introduziram uma nova performance, São Precário4, o santo patrono dos precários em substituição do papel tradicional de líder e porta-voz, uma figura com uma história própria que tem surgido de uma forma nomádica em diversas cidades da Itália. Matteo Pasquinelli considera que se trata de uma "estrela pop open-source (tal como o seu percussor Luther Blissett) que funde personagens arquétipas do imaginário colectivo italiano (os santos) com as mais recentes personagens sociais (os trabalhadores temporários)"5. Na medida em que se "apropria da tradição católica italiana de transportar estátuas de santos em procissões nos espaços públicos", este novo héroi é visto por do mesmo ângulo que já abordámos anteriormente: funciona simultaneamente como "um détournement, uma Zona Temporária Autónoma, um carnaval" (Tari e Vanni, 2005). O santo, que também faz milagres, "aparece em espaços públicos durante a realização de comícios, marchas, intervenções, manifestações, festivais de cinema, feiras de moda e, é claro, procissões". A personagem fez as suas primeiras aparições a 29 de Fevereiro - data fixada para o dia desta nova "devoção" -, tendo desde então se multiplicado e materializado em diferentes disfarçes - pois "não privilegia uma classe de precários em relação a outra", tendo também já surgido sob a forma de uma figura feminina (idem). O culto gerou um grande número de seguidores o que levou à criação inclui uma série de acessórios e rituais associados à santidade, como várias e diferentes estátuas que são transportadas em procissões, atributos iconográficos, hagiografia - narrativa biográfica -, uma oração, campo de especialização e até mesmo o seu próprio santuário, numa praia de Lido di Veneza (ibidem).

A capacidade de São Precario se transfomar a qualquer momento num novo imaginário ficou bem patente na sua mutação em Serpica Naro6, um estilista anglo-nipónico "virtual" com um site7 própio de aspecto profissional semelhante aos de outros designers de moda, que conseguiu ser aceite pelos organizadores da Semana da Moda de Milão, sem que estes conhecessem que se tratava de uma farsa. Mesmo antes de desfilar, a figura despertou um grande interesse junto dos media comerciais generalistas e especializados, que eram incentivados por comunicados de imprensa supostamente oriundos de um gabinete de comunicação em Tóquio. Para gerar mais controvérsia, os Chainworkers puseram a circular a informação de que Serpica tinha explorado a comunidade gay japonesa ao copiar e comercializar o seu visual depois de ter proposto uma colaboração com eles. O desfile, realizado a 29 de Fevereiro de 2005, contou com oito modelos concebidos por Serpica abordando o tema da flexibilidade e das condições de trabalho precárias., seguido por uma passagem de modelos criados por jovens estilistas que se recusam a comprometer com o sistema da moda. No final, foi anunciado que Serpica Naro não existia, tendo a performance sido anunciada à comunicação social que divulgou amplamente a história. Matteo Pasquinelli considera que, para além de "ter sido útil na condenação das condições dos trabalhadores precários dentro da indústria italiana da moda", a personagem serviu para "criar uma metamarca - uma marca que engloba outras, como um franchising - aberta que qualquer estilista de 'moda radical' pode empregar". Mais do que uma mera partida, "Serpica Naro é uma versão generosa da Marca Registada" em que "todos podem ser estilistas"; "qualquer um que se identifique com Serpica pode fazer parte dele", pode-se ler no comunicado final elaborado pelos Chainworkers.

Yomango9 foi um dos grupos que elaborou modelos para o desfile de Serpica Naro. Trata-se de um projecto da responsabilidade de Las Agencias10, um colectivo de Barcelona que desenvolve vários projectos tácticos recorrendo a tecnologias digitais para produzir e distribuir fisicamente ou online cartazes, folhetos, autocolantes e vídeos. O nome desta metamarca associa a cadeia espanhola de lojas de roupa Mango com um termo do calão castelhano que pode ser traduzido para "Eu roubo (gamo)". O projecto disponibiliza informação e recursos para promover o furto de roupas e outros produtos comercializados por transnacionais como a Mango, organizando ainda acções colectivas de "gamanço" e jantares "Yomango" para o consumo dos bens alimentares furtados.

aqui

segunda-feira, 17 de março de 2008

Voltar a jogar

via Spectrum


Tomamos conceitos e agarramos palavras, codificamos assim a praxis diaria com termos que se repetem e que de certa forma reduzem a abrangencia da sua influencia quotidiana. Falar de precariedade é falar de recibos verdes e de contratos temporarios, mas nao so. Assim como lutar contra a precariedade nao se fica por lutar contra a flexibilizaçao dos despedimentos. Ampliando um pouco a visao, digamos sériamente que precaria é a vida em que precisamos de pedir para trabalhar.

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Descodificando um pouco mais o fenomeno, vendo onde e como essa estrutura se formou, como ganhou o espaço necessario a sua imposiçao, é bastante obvio concluir que a precariedade, mais do que uma situaçao laboral é uma situaçao de vivencia, omnipresente. Nao é metafisico, na verdade exigimos voltar a viver. Voltar a escolher. A palavra escolher cai aqui bem, toma um sentido de aquisiçao de autonomia, de tomada de decisao. Acima de todas as reflexoes, estamos aqui porque nao acreditamos que a democracia se esgote num preenchimento de cruzes mais pequeno que um totoloto.

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Analizando entao a abrangencia, e tomando como bagagem a sua construçao, olhando para os tempos nao tao distantes em que foi construida a actualidade e a quem calhou bem este afunilamento do debate, da interacçao entre os varios sectores da sociedade, pomos sobre a mesa que foi a propria desagregaçao da organizaçao, a vitoria em ralenti dos valores individalistas, mascarados como economico-liberais (quando na verdade vinham de grupos oriundos das bancadas mais a direita do espectaculo da representatividade), conservadores portanto. Aqui, pelo contrario, organizamo-nos.

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Nao se trata mais de ganhar o debate, agora trata-se infelizmente de ganhar o espaço para ele acontecer. Mais do que tentar ganhar batalhas juridicas nas quais entramos como o elo mais fraco e tendencialmente dependente do mediatismo onde impera o outro lado da barricada, interessa desconstruir a ideia das pseudo-oportunidades, de que esta unica saida, a de um curso universitario na area certa, para a qual ate nos vao alertar com os seus indices sempre tao bem contruidos, é o caminho certo, que é o caminho. Interessa mostrar que essa competitividade que é incentivada desde muito cedo no ensino se transforma em poucos anos numa visao de sucesso individual, numa estrada que se percorre sozinho, na esperança que haja para nos um pequeno buraco, um espaço que ainda nao esteja ocupado, ou em ultimo caso com o nosso trabalho a imperar sobre o dos outros, uma batalha por um lugar confortavel num espaço limitado.Exigimos que se entenda que nao é um lugar ao sol que queremos mas sim o verao para todos. E que, 40 anos depois do Maio que mostrou a praia que ha debaixo do betao, ainda nao paramos para pensar como vamos começar. Interessa construir a nossa Primavera. E continuar...

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sábado, 1 de março de 2008

Estudante Universitário rima com trabalho precário... nas palavras e na vida, infelizmente.

Sou precário, acordo todos os dias apressado, atarefado com horários quase impossíveis de cumprir. A corrida começa ao acordar. Sair de casa e entrar nos transportes públicos sempre caóticos e atrasados, chegar atrasado á faculdade para uma aula que nunca desejei, mas que é obrigatória. Saltar de sala em sala e ter apenas 30 minutos para almoçar.

É fim da tarde, acabaram as aulas, e já levo uns quantos trabalhos para fazer em casa. Mas eu vou para casa? Não. Vou ter uma acção de formação (sem remuneração), para que possa entrar num trabalho em part-time, e assim conseguir pagar os 3000€ de propina anual da minha faculdade que se diz pública, e pagar também o aluguer do meu quarto em Lisboa. Relembro o tempo em que a licenciatura durava 5 anos e a propina anual correspondia ao ordenado mínimo (2002). Era bem mais fácil... Maldito processo de Bolonha, trocou-me o nome de Licenciado por Mestre a troco de 3000€ anuais!

A noite chegou e já vai longa, vou agora jantar e vou-me deitar, porque não tenho cabeça para mais. Ficam os trabalhos da faculdade por fazer... Espero conseguir obter frequência e poder fazer as cadeiras por exame.

Deitei-me...

Mas apesar do cansaço, as preocupações deixam-me inquieto e na impossibilidade de dormir. Penso: Amanhã começo a trabalhar. São mais 4 horas de trabalho diário para acrescentar ao tempo de aulas e estudo, e como se não chegasse, o meu trabalho será mal valorizado. Não me resta tempo para outra actividade além do trabalho e do estudo. Quem sou eu? Quanto tempo demorarei a acabar o meu curso nestas condições? Quem me dera ter uma bolsa de estudos... mas estas estão a acabar e a ser substituídas por empréstimos... Estou a desesperar de tal modo que até já gostei menos do Totta, banco que “oferece” empréstimos aos alunos desesperados como eu, e que até já me impingiu uma conta bancária para poder ter um cartão de estudante. Talvez não seja má ideia o empréstimo! Mas depois fico hipotecado o resto da minha vida, com um curso para pagar, uma casa, um carro, ... e um trabalho precário que exige um curso universitário.

Amanhã chegarei atrasado às aulas novamente...

Ricardo Vicente, estudante universitário e activista do ]MOVE[ (movimento aberto por outra vida na Escola - Instituto Superior de Agronomia, www.move-aberto.blogspot.com)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

«Escolas, fábricas de precariedade do século XXI??

Como prof. do ensino secundário, é triste para mim
sentir que estou a entusiasmar alunos para estudarem,
para serem aplicados nos estudos, mas com a certeza de
que muitos, talvez os mais criativos (?), serão
impiedosamente esmagados pela máquina de triturar do
capitalismo, com as roupagens de hoje, através da
chantagem do emprego precário.
Também é um sofrimento, evidentemente, como pai de
três jovens (com 22, 14 e 12 anos), que partilharão
necessariamente as agruras da selvajaria de mercado,
com os restantes da sua geração (e com os mais
velhos).

Como revolucionário que participou anonimamente no «25
de Abril», apesar de derrotado (uma revolução que fica
a meio caminho transforma-se sempre em
contra-revolução), nunca me deixei adormecer no
conforto relativo de uma situação «estabilizada» e
posso dizer que sinto enorme frustração/sofrimento:
pensar que fizemos tantos esforços para derrubar o
fascismo, para erguer um regime democrático e tentar
dar corpo ao nosso sonho de um socialismo
auto-gestionário... para chegarmos a «isto»...

Pois temos de aprender com as nossas próprias
experiências e com as dos outros.

Temos de fazer vingar uma organização horizontal,
flexível, democrática, com um modo assembleário de
tomada de decisão, descentralizada, capaz de
impulsionar as lutas onde elas surjam e de as
sustentar, divulgar em todo o lado.

A luta contra a precariedade começa na escola? Não,
ela começa em nós próprios. Temos de sacudir a canga
de indiferença, de conformismo, de medo, de cobardia e
pensar naquilo que está ao nosso alcance (ao meu, ao
teu ao nosso) fazer para mudar uma situação.
Porque a precariedade já assume o papel de maior
ameaça que paira sobre as cabeças das jovens gerações
e portanto, sobre a das gerações mais velhas também,
que olham para os jovens com amor e desespero ao
vê-los quase desarmados, enfrentar a pior crise, que o
capitalismo jamais fabricou.

Os profs precários são mantidos precários por vontade
deliberada do ME, porque é ele que tem feito com que
os lugares de quadros de zona sejam desviados do seu
objectivo louvável inicial, o que explica porque cada
novo ano lectivo haja cerca de 10% (é enorme!) dos
professores colocados no INÍCIO do ano lectivo que são
precários.
Isto significa que os quadros do ME são grosseiramente
calculados abaixo das necessidades REAIS do sistema de
ensino (cuja estimativa é fácil de fazer).
A mesma coisa se passa (ou pior ainda) com os
auxiliares de acção educativa e com técnicos
administrativos das escolas.
É preciso denunciar isto, com força.
É preciso explicar isto à sociedade civil em geral.

Mas apenas pela voz dos trabalhadores da educação
(docentes e não-docentes) apenas pelo seu discurso
directo se poderá compreender a dimensão humana desta
tragédia, a repercussão gravíssima que tem na escola,
na sua qualidade como um todo... por mais dedicados
que sejam os nossos colegas com vínculo precário.
Se uma turma fica meses a fio sem prof., a culpa é do
ME, não dos profs que desejam vir substituir um prof.
com doença prolongada, ou uma prof. em licença de
parto, ou outros casos.

A sociedade civil tem de compreender que o efeito da
precariedade na escola é multiplicador, embora seja
uma condição infelizmente banalizada na sociedade em
geral. Atrevo-me a considerar que na escola e na
saúde, essa precariedade torna-se criminosa, pois é um
ataque directo à qualidade dos referidos sistemas. »


Manuel Baptista (a título individual)
Colectivo Anti-Autoritário e Anti-Capitalista
de Luta de Classes, baseado em Portugal
www.luta-social.org

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

MayDay!! MayDay!!

“O precariado rebela-se!”. Com este grito se juntaram centenas de pessoas no último 1º Maio para dizer que estão fartas da vida na corda bamba, da intermitência, do recibo verde, de ser chamado “ilegal” por ser explorad@ num país diferente daquele em que se nasceu, da incerteza e da chantagem no trabalho e na vida de todos os dias. Gente que está farta da precariedade. E que não acredita que ela seja a única alternativa e, por isso, vai fazendo o contrário daquilo que está escrito no guião dos senhores do mundo: grita, pensa, esperneia, reflecte, junta gente e responde com a energia e a imaginação d@s explorad@s. Fintar o cinzentismo dos dias que nos impingem fez-nos desfilar na primeira parada precária por estas paragens. Porque valeu a pena e porque há mais gente para a fazer, o MayDay Lisboa está de volta.

E o MayDay Lisboa 2008 já está aí!

A campanha “Certificação de Precariedade”, para marcar as empresas que lucram com as nossas vidas, arrancou e será para continuar.

As Assembleias MayDay, onde nos juntamos para preparar actividades e o dia da parada, já começaram e juntam cada vez mais gente.

No MayDay Lisboa cabe toda a gente que não aceita uma vida precária. O Mayday é o 1º de Maio d@s Precári@s, um desfile internacional de trabalhadores a recibo verde e sem direitos, desempregados, bolseiros, estagiários, imigrantes, intermitentes do espectáculo, estudantes-trabalhadores…tod@s @s que têm vidas a prazo e mesmo assim fazem pela vida, lutam e cantam e gritam.

Já não dá para ficar calad@!

Tiago Gillot


Um difuso precariado


A recente tomada de posição da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social sobre a situação do país não traz nada de novo, faz antes eco das muitas coisas que se tinham vindo a dizer nos últimos anos. Pior do que isso, não toca na questão do precariado crescente, que aumenta de forma "corrosiva" esse tal "difuso mal estar" da nosso tecido social.

Importa fazer alguns esclarecimentos, nunca de somenos, numa altura em que o próprio precariado representa uma alternativa dinâmica e positiva dos movimentos sociais que não se encontram representados de forma conveniente na estrutura social de hoje, coisa aliás que não é nova e que o texto da SEDES vem ampliar.

Voltamos a dar a tónica que os responsáveis públicos que têm assumido os papeis decisórios no país são os maiores responsáveis pela situação que vivemos. São eles os executores da falta de liberdade, transparência e geradores de "amiguismo" e corrupção. Afinando pelo mesmo tom, o tecido económico segue-lhes o exemplo, com patrões cada vez mais insensíveis aos direitos sociais dos trabalhadores e onde a arrogância se junta à ganância e ao "posso, quero e mando". A moda é perseguir os trabalhadores, mais ou menos qualificados, e torná-los bode expiatório de um sistema montado para falhar, apenas, unicamente, para aumentar a precariedade como alavanca para o crescimento dos lucros de poucos.

Voltamos a referir que há cada vez mais precariedade com os "falsos recibos verdes" e outras formas de contratação precária. Defende-se a economia, a empresa e o empreendorismo empresarial passando para última prioridade as pessoas. O resultado óbvio é a degradação das condições da maioria e o aumento colossal dos dividendos recebidos por gestores, administradores e accionistas.

Chamamos a atenção para o facto de as instituições do Estado fazerem "ouvidos de mercador" na relação com uma juventude cada vez mais desmotivada a participar na causa pública. O afastamento dos jovens e da população em geral dos centros de decisão, do poder público, gera a desmotivação e desacreditação em qualquer mudança. Por isso, é absolutamente lógico a crescente onda de emigração de quadros formados. Esta é uma realidade que ninguém ousa discutir e este facto é talvez dos mais curiosos quando tanto se fala de modelo de financiamento do ensino superior e de autonomia das faculdades.

Portugal é o país onde alguns nem se dão ao trabalho de cumprir a lei, sabem que não lhes afecta. Outros, conhecem sobejamente o rigor dos tribunais ou das finanças. Há dois pesos, e duas medidas. Um tecido social, cada vez mais individualizado, porque afastado dos colegas em relações de trabalho e de vida de curta duração. Um tecido social desmotivado e descrente na mudança porque se sente longe de poder influenciar o que quer que seja da sua própria vida.

Mas uma coisa é certa, o MAYDAY tem sido um dos exemplos de um debate aberto, plural e dinâmico que gera mudança e sobretudo retoma a esperança numa sociedade melhor. E não apenas pelas mãos do MAYDAY, mas de muitas outras pessoas, alguns dos decisores responsáveis mais arrogantes que tivemos, foram obrigados a recuar pela força da razão, da união e da força da opinião e capacidade de organização.

Este é o MAYDAY que queremos e que teremos.
André Soares e Rui Maia