via Panteras Rosa
Que a precariedade congela vidas não é segredo. Que os recibos verdes e a figura do "acto isolado" são usados indevidamente por certos "patrões" também não. E é do conhecimento geral que o outsourcing é usado, mais do para contratar serviços especializados, para fugir a maçadas como os seguros de trabalho, as contribuições para a segurança social, a medicina no trabalho, a gestão de férias...
Mas os vínculos laborais precários têm outra dimensão: podem ser instrumentos de controlo social.
Nas (raras) empresas de tendência quem acorda trabalhar na empresa sabe que irá trabalhar dentro de um conjunto de princípios orientadores já definidos. São disso exemplo a Rádio Renascença ou certas escolas religiosas. Contudo a maioria das empresas é criada tendo (oficialmente) apenas o lucro como único objectivo. Mas entre o "oficial" e o real por vezes vai uma grande distância. Empresas há que implementam políticas ilegais (lembram‑se daquele banco do Jardim Gonçalves que não contratava mulheres?) e acontece por vezes que, mesmo que a direcção da empresa não o faça, essas políticas são decididas e implementadas por chefes de departamentos ou secções da empresa. Independentemente do nível hierárquico de onde emanam tais políticas é evidente que os vínculos precários fragilizam @s trabalhadoras/es que delas sejam alvo.
Concretizando num exemplo: a empresa ABC contrata a Rute (a termo, claro) para trabalhar no call‑center da empresa XPTO; a Rute trabalha sob a direcção do Zé; o Zé embirra com a Rute e quando o contrato chega ao fim já o Zé preparou um bonito relatório com motivos para que o contrato da Rute não seja renovado (fazendo com que as falhas da Rute pareçam mais ou piores que as de colegas que não produzem tanto nem tão bem). Na verdade o Zé resolveu usar o seu poder para a "castigar" porque a Rute tem uma argola no nariz, ou porque usa rastas, ou porque é fufa, ou monhé, ou vesga, ou... O importante é que quem contratou a Rute até poderia estar a pensar usar (indevidamente) os contratos a termo durante um período experimental alargado oferecendo‑lhe um vínculo sem termo ao fim de 2 anos – mas o vínculo precário da Rute permitiu que o Zé, motivado pelos seus preconceitos, lhe "fizesse a cama".
No exemplo acima a iniciativa parte de um funcionário, chefe da trabalhadora. Mas como se percebe a coisa pode assumir proporções de política (ilegal) da empresa e a precariedade do vínculo permite fazer imposições injustificáveis à(o)s trabalhadoras/es. Quem não calar e consentir, quem não se "adaptar" vai para a rua, é só esperar que o contrato chegue ao seu termo.
Os vínculos laborais precários podem ser (e por vezes são‑no mesmo) meios para a marginalização de pessoas contra quem os preconceitos sejam mais arreigados – por exemplo, pessoas transexuais (e outras "ameaças" ao modelo dicotómico de género do sistema sócio‑legal dominante) ou pessoas de etnia cigana (que, não representando qualquer "ameaça" concreta, inspiram um temor irracional a muita gente).
O preconceito alimenta‑se da ignorância. Contudo, enquanto o discurso politicamente correcto enche a boca com a “sociedade da informação”, pouco se faz para alterar o rumo da aparente "conspiração de estúpidos". A terciarização da economia é ilogicamente acompanhada por reformas do ensino técnico‑profissional que não respondem às necessidades da sociedade (não confundir com as necessidades do mercado!), pela desarticulação entre ensino secundário e universitário e pela diminuição do investimento nas áreas que menos interessam às empresas dominantes – como as ciências soft, apesar da sua importância para o estudo e aperfeiçoamento da organização social e económica e para o aproveitamento sustentado e sustentável dos recursos naturais e humanos. Nem as matemáticas se salvam – quando numa economia terciarizada o lógico seria ver empresas de transportes, por exemplo, organizando e financiando pólos de I&D sectoriais, investindo na investigação operacional ou na contratação de matemátic@s para "análise de pior caso".
A miopia e impunidade de quem legisla/governa/julga, o uso do aparelho de estado para servir interesses económicos privados, o insuficiente número de agentes de fiscalização e a sua deficiente (nalgumas áreas) formação, a dificuldade de prova, as (consequentemente) raras penalizações perfeitamente suportáveis pelos grandes grupos empresariais, a corrosão da solidariedade entre trabalhadoras/es pelo seu estrangulamento financeiro, a simples falta de tempo para a intervenção cívica e política (partidária ou não, no "sistema" ou em alternativa a este) – tudo isto contribui para a manutenção, quando não para o agravamento (para @s precári@s, claro) do estado de coisas.
É pois evidente que a precariedade permite a prática (discreta, mas activa) de discriminação negativa, contribuindo para a instabilidade económica e a exclusão social das pessoas discriminadas. O que até é ilegal, mas se a lei não fosse tantas e tantas vezes letra morta não haveria MayDay, nem Precári@s INflexíveis, nem FERVE, nem movimentos LBGT+, feministas, paritários, anti‑racistas, laicistas...
A luta contras os preconceitos e discriminações é transversal às suas múltiplas dimensões (é totó crer que se pode combater o racismo sem combater a transfobia ou combater a discriminação com base na deficiência sem combater o sexismo) e é igualmente indissociável das lutas por outra forma de organização social.
Uma organização em que a sociedade seja participativa e participada, transparente, sensível, solidária, etológica, empática e “compaixonada”, informativa e informada; onde a exploração do que é de tod@s (como os recursos naturais, o ambiente natural, patrimonial e urbano, os conhecimentos, ideias e algoritmos) não sirva apenas alguns; onde a exploração, a precariedade e a exclusão sejam erradicadas.
É por isto que os movimentos sociais que pretendam um mundo melhor devem estar no MayDay e é por isto que o MayDay deve estar nos restantes movimentos sociais. A pluralidade, o diálogo e a solidariedade fazem a força!
Mas os vínculos laborais precários têm outra dimensão: podem ser instrumentos de controlo social.
Nas (raras) empresas de tendência quem acorda trabalhar na empresa sabe que irá trabalhar dentro de um conjunto de princípios orientadores já definidos. São disso exemplo a Rádio Renascença ou certas escolas religiosas. Contudo a maioria das empresas é criada tendo (oficialmente) apenas o lucro como único objectivo. Mas entre o "oficial" e o real por vezes vai uma grande distância. Empresas há que implementam políticas ilegais (lembram‑se daquele banco do Jardim Gonçalves que não contratava mulheres?) e acontece por vezes que, mesmo que a direcção da empresa não o faça, essas políticas são decididas e implementadas por chefes de departamentos ou secções da empresa. Independentemente do nível hierárquico de onde emanam tais políticas é evidente que os vínculos precários fragilizam @s trabalhadoras/es que delas sejam alvo.
Concretizando num exemplo: a empresa ABC contrata a Rute (a termo, claro) para trabalhar no call‑center da empresa XPTO; a Rute trabalha sob a direcção do Zé; o Zé embirra com a Rute e quando o contrato chega ao fim já o Zé preparou um bonito relatório com motivos para que o contrato da Rute não seja renovado (fazendo com que as falhas da Rute pareçam mais ou piores que as de colegas que não produzem tanto nem tão bem). Na verdade o Zé resolveu usar o seu poder para a "castigar" porque a Rute tem uma argola no nariz, ou porque usa rastas, ou porque é fufa, ou monhé, ou vesga, ou... O importante é que quem contratou a Rute até poderia estar a pensar usar (indevidamente) os contratos a termo durante um período experimental alargado oferecendo‑lhe um vínculo sem termo ao fim de 2 anos – mas o vínculo precário da Rute permitiu que o Zé, motivado pelos seus preconceitos, lhe "fizesse a cama".
No exemplo acima a iniciativa parte de um funcionário, chefe da trabalhadora. Mas como se percebe a coisa pode assumir proporções de política (ilegal) da empresa e a precariedade do vínculo permite fazer imposições injustificáveis à(o)s trabalhadoras/es. Quem não calar e consentir, quem não se "adaptar" vai para a rua, é só esperar que o contrato chegue ao seu termo.
Os vínculos laborais precários podem ser (e por vezes são‑no mesmo) meios para a marginalização de pessoas contra quem os preconceitos sejam mais arreigados – por exemplo, pessoas transexuais (e outras "ameaças" ao modelo dicotómico de género do sistema sócio‑legal dominante) ou pessoas de etnia cigana (que, não representando qualquer "ameaça" concreta, inspiram um temor irracional a muita gente).
O preconceito alimenta‑se da ignorância. Contudo, enquanto o discurso politicamente correcto enche a boca com a “sociedade da informação”, pouco se faz para alterar o rumo da aparente "conspiração de estúpidos". A terciarização da economia é ilogicamente acompanhada por reformas do ensino técnico‑profissional que não respondem às necessidades da sociedade (não confundir com as necessidades do mercado!), pela desarticulação entre ensino secundário e universitário e pela diminuição do investimento nas áreas que menos interessam às empresas dominantes – como as ciências soft, apesar da sua importância para o estudo e aperfeiçoamento da organização social e económica e para o aproveitamento sustentado e sustentável dos recursos naturais e humanos. Nem as matemáticas se salvam – quando numa economia terciarizada o lógico seria ver empresas de transportes, por exemplo, organizando e financiando pólos de I&D sectoriais, investindo na investigação operacional ou na contratação de matemátic@s para "análise de pior caso".
A miopia e impunidade de quem legisla/governa/julga, o uso do aparelho de estado para servir interesses económicos privados, o insuficiente número de agentes de fiscalização e a sua deficiente (nalgumas áreas) formação, a dificuldade de prova, as (consequentemente) raras penalizações perfeitamente suportáveis pelos grandes grupos empresariais, a corrosão da solidariedade entre trabalhadoras/es pelo seu estrangulamento financeiro, a simples falta de tempo para a intervenção cívica e política (partidária ou não, no "sistema" ou em alternativa a este) – tudo isto contribui para a manutenção, quando não para o agravamento (para @s precári@s, claro) do estado de coisas.
É pois evidente que a precariedade permite a prática (discreta, mas activa) de discriminação negativa, contribuindo para a instabilidade económica e a exclusão social das pessoas discriminadas. O que até é ilegal, mas se a lei não fosse tantas e tantas vezes letra morta não haveria MayDay, nem Precári@s INflexíveis, nem FERVE, nem movimentos LBGT+, feministas, paritários, anti‑racistas, laicistas...
A luta contras os preconceitos e discriminações é transversal às suas múltiplas dimensões (é totó crer que se pode combater o racismo sem combater a transfobia ou combater a discriminação com base na deficiência sem combater o sexismo) e é igualmente indissociável das lutas por outra forma de organização social.
Uma organização em que a sociedade seja participativa e participada, transparente, sensível, solidária, etológica, empática e “compaixonada”, informativa e informada; onde a exploração do que é de tod@s (como os recursos naturais, o ambiente natural, patrimonial e urbano, os conhecimentos, ideias e algoritmos) não sirva apenas alguns; onde a exploração, a precariedade e a exclusão sejam erradicadas.
É por isto que os movimentos sociais que pretendam um mundo melhor devem estar no MayDay e é por isto que o MayDay deve estar nos restantes movimentos sociais. A pluralidade, o diálogo e a solidariedade fazem a força!
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